segunda-feira, 11 de julho de 2011

Rondó da cabeça de medusa

Tirando vermes somente
Na cabeça uma serpente
Vira o destino temido
Sonho de pedra pungente

Para cima destemido
Minha alma um gemido
Do infinito amargo gosto
Para sempre comprimido

Seguindo o caminho imposto
Meu ego perdi meu rosto
Minha cara negligente
Fez-me pedra rumo oposto

Tirando vermes somente
Na cabeça uma serpente
Vira o destino não quisto
Sonho de pedra pungente

No passado tinha visto
Leis e letras livro misto
Sem as pedras sem areia
Sem questões. Apenas isto

Mas a dúvida semeia
Se possível vida meia
Se essa fome permanente
Alimenta essa cadeia

Tirando vermes somente
Na cabeça uma serpente
Vira o destino cumprido
Sonho de pedra pungente

No passado o colorido
Vi meu futuro esvaído
Sonho de pedra presente
Sou hoje um nada moído!

Débora Aligieri
Poema publicado na Revista Autor de julho


Perseu e Medusa, Benvenuto Cellini

Como foi elaborado o poema: O realismo em Portugal surgiu com a consolidação do liberalismo, num período de estabilidade política e progresso material, em que o país mantinha um intercâmbio cultural com o resto da Europa como um de seus pares, ligando-se aos aos países europeus pela estrada de ferro. A poesia da época se desdobrou em quatro vertentes diversas ao longo do movimento: a poesia realista propriamente dita, a poesia do cotidiano, a poesia metafísica, e a poesia parnasiana. "Rondó da cabeça de medusa", é (pelo menos pretendeu ser) um rondó português (oito quadras com uma quadra recorrente) em redondilha maior, com rimas ricas (as palavras que rimam devem pertencer a diferentes classes gramaticais), elaborado nos moldes da poesia parnasiana, caracterizada pela atenção `as formalidades linguísticas.