domingo, 15 de fevereiro de 2009

In memoriam - Eduardo Barrox

CINEMA2 - Seqüência de CINEMA com legendas à côté de la fenêtre, lumière du soleil du matin, corps nu, musique d’un certain endroit. Corta pra uma rua em que pessoas berram idiotices e vendem sanduíches e xingam-se de dentro dos automóveis e enfim, tudo como sempre. a mulher, Entre uma e outra letra, dança sobre a tela. beijo (e)ternamente seus lábios Y outras imagens: a de uma criança perdida andando pelo acostamento de uma estrada no deserto porque – você diz –clichês de imagens que já vi em algum lugar e cenas rápidas de crianças sendo prostituídas em cidades sujas do terceiro mundo fusion pra sala ensolarada, incenso, tempo de amor ET MÚSICA CIGANA; já não se ouvem barulhos e a doce sensação de estar dentro de você mesmo que em sonho. cabelo despenteado, tatuagem & cítaras indianas lágrima felicidade alegria orgasmo luzes apagadas fotografia. Sanduíche. outrA história ou outra versão da história: você - um cara, o personagem, sei lá pôrra - está sentado num banco numa praça numa cidade – trilha horrível tipo aquela música (sic) pump up the jam (argh) – e uma criança negra chora sua mãe atavicamente prostituída em avenidas imundas e seu pão tem o gosto da bebida ingerida na companhia de bêbados, canalhas drogados de corpo sujo, vidas fodidas e mulheres tristes madrugada madrugada. Você fecha os olhos. Corta. Ao telefone a mulher-menina diz quero foder, quero te dar, diz fumando compulsivamente, misto de desejo inquietude. Imagens difusas entre um cigarro e outro, o Cristo crucificado já não sangra e todos os sorrisos se voltam para outro lugar e pássaros voam em grupos e, ao longe, ruídos ruídos ruídos. Por alguns instantes, pôr-do-sol em 32 bits fusion noite gostosa com explosões siderais e carrinhos de pipoca na calçada em frente. Nossos olhares projetam tempos passados e presentes, como somos felizes, cromossomos (in)felizes, roquinhos-baladas tipo Elvis and Chubbi Cheker tilintando entre cuba-libres e o desejo de tirar sua calcinha dentro do carro. ou. imagens contemporâneas minimal art. Cheguei agora e, puta que pariu!, outro mendigo diz ser Jesus Cristo e homens poderosos crucificam as esperanças. Na trilha de novo JAZZ, o cara não ouve outra coisa, mas você já tinha dito isso. Cena 2: ela começa a tirar o vestido longo-negro-colado-ao-corpo e anda descalça pela sala. Seu olhar não deveria manifestar emoções. É de noite madrugada e uma outra mulher beija sua boca. você sorri mostrando desejo na boca entreaberta enquanto me olha nos olhos. Um casal de velhinhos sai do elevador num hotel de Miami, textos de Henri Miller ditos no centro velho de San Pablo, voz de Janis Joplin e você diz que agora nada importa - mete mais, pede - sexo notícias desencontradas poetas noturnos e correntes de ferro imagens decorrentes. Cheiro de vela acesa. Lareira. Beijo na boca. Paixão dividida, noite de estrelas, sou sua você diz ainda desejando que o tempo se imobilizasse e/ou apenas se alternasse entre as cores do dia e os sonhos da noite, assim como ler poemas de Hilda Hilst em voz alta no degrau da escada ou andar em círculos pela praia semideserta ‘num dia de semana’... outraCena: o cara mais velho me diz que terei que aprender a conviver com a solidão. Penso nisso e digo foda-se: já convivo com minha solidão desde que me conheço, enquanto olho em seus olhos de já mulher e você me sorri ternamente. Olhares perdidos. Cinema. Pútridas emoções. Puras emotions. Notícias de jornal. Som de chuva. Andando de novo pelas ruas do centro velho numa cena com cara de domingo, o cara lê O Macaco e a Essência em voz alta seguido por uma procissão de motocicletas silenciosas e mulheres de capuzes negros. Referências, você diz, dando gargalhadas. "Não quero mais essas tardes mornas". Tesão. Tesão, você também diz. Divindades, a estrada ao amanhecer, agora você dorme no banco ao lado, o carro em velocidade, a janela aberta, sinos na igreja de uma pequena cidade. Sonhamos. Não consigo te esquecer; vejo seu sorriso na fotografia, também sinto vontade de chorar. É de manhã na américa do cio, Um cara diz que as utopias se acabaram, e eu também mando ele se foder! Cena repetida: não diga não não diga sim não olhe para trás não tenha nome nem passado não se importe com as feridas não considere os movimentos solares não saia de casa não estabeleça critérios não brinque de não ser fotografia em preto&branco não deixe nunca de brincar diz que sou gostosa me beija não acenda a luz abra a janela tire o vestido. Corta! O filme acabou.
Eduardo Barrox, texto de capa JdP, edição 60

Eduardo, juntamente com a Camaleoa, foi o maior incentivador do Jornal do Apocalipse, e quem apoiou o início da coluna e veiculou no Jornal da Praça. Além de excepcional fotógrafo e amigo, e escritor único que, infelizmente, não teve seu valor devidamente reconhecido em vida (como ocorreu com outros grandes da literatura e das artes). Sua falta será profundamente sentida. A gratidão pelas idéias e pelas conversas de sempre e a saudade são incomensuráveis.

3 comentários:

  1. Olá, eu conheci o Eduardo há alguns anos e hoje soube da morte dele. Sinto...

    Sinto não ter falado, não ter chorado, não ter gritado e brigado mais com ele.

    Sinto tanto e tão pouco o sinto agora. Sinto tão pouco do que senti outrora.

    Sinto não ter uma fotografia dele, uma lembrança, senão na falha memória.

    Sinto ter ido embora e sem ter voltado ter que dizer adeus!

    Sito tanto, mas tão pouco dele agora.

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  2. Somos muitos os carentes da companhia do Eduardo. Também lamento não poder vê-lo mais, antes e agora...

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  3. Como sempre fazia, mas andava em débito, as vezes digitava “Eduardo Barrox” (que conheço desde os tempos de “Almeida Barros... ou Barros Almeida” – eu brincava com ele.) no Google para ver o que ele andava fazendo.
    Edú foi meu professor em 86 e 87, na Escola Panamericana de Artes e dela para cá nunca perdemos o contato. Nem mesmo por minhas andanças, nem pelas dele. Adorava todas as casas, stúdios e apartamentos por onde ele passou. E a matriz para onde ele sempre voltou que fora “ursa maior”, brechó, estúdio, refúgio.
    Estivemos pela última vez pessoalmente há uns 4 anos atrás. Num sarau na casa dele. Era sim o Edú muito polêmico, para dizer o mínimo. E eu amava essa figura de um jeito que as vezes ele questionava. Explicava que podia não concordar com tudo nele, mas o amor era isso, amar o pacote completo, as coisas lindas dele e as coisas que eu questionava.
    Fiquei tão chocada com a notícia! Não chorei. Mas dói muito. A última vez que nos falamos por telefone ele me disse que queria voltar para França. Olha só!
    Edú, sempre te amei.
    Amor, Má.

    Márcia Borlenghi
    WWW.interfacedg.com.br
    marrcia@interfacedg,com.br

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