domingo, 28 de janeiro de 2024

Soneto da Morte do Amor


O coração virou meu carcereiro

A alegria cedeu lugar à dor

Um estranho virou o companheiro

O mundo virou um lugar sem cor

 

Nossos corações sangram mas não batem

O nosso tempo os anos já não contam

Palavras de amor ao vento se abatem

Singularidades se desencontram

 

Entre nós nos tornamos estrangeiros

O que fomos, o que fui, o que era

Códigos e línguas particulares

 

Nos velamos em vida passageiros

Porque terminou como não se espera

Um amor fenecido entre ex-pares

 

Débora Aligieri

 

Mote do soneto: Na separação, velamos uma pessoa viva e um amor morto.

 

 Tela de Laura Salgado, originalmente em vermelho, fotografado em preto e branco

 

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

República

 


 

Deitados sob a sombra
O gato e o homem
O gato na janela do seu apartamento
O homem no passeio público

 

Débora Aligieri 

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Poema pândemico

Anti-corpo

Aqui
Onde estou
Não é mais

Aqui
Onde estou
Não sou mais

Aqui
Onde estou
Não há mais



 Grafite numa caixa de luz na Rua Maranhão/São Paulo

sábado, 30 de novembro de 2019

Cuidado com as coisas pequenas

Cuidado com as coisas pequenas
Porque elas podem ocupar grandes espaços no coração das pesssoas

Cuidado com as coisas pequenas
Porque é das pequenas coisas que nasce o encanto pela vida

Cuidado com as coisas pequenas
Porque apesar de pequenas, elas não deixam de existir

Cuidado com as coisas pequenas
Porque são justo essas as coisas que mais incomodam

Cuidado com as coisas pequenas
Porque elas tem a capacidade de ocupar qualquer espaço

Cuidado com as coisas pequenas
Porque elas podem se unir e se transformar no próprio espaço

Cuidado com as coisas pequenas
Porque essas coisas pequenas somos nós, pessoas comuns

E estamos chegando!

Antonio Berni. Manifestación, 1934.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Olhos vampiros

Essa luz
me conduz
às trevas!



Poema: quase haicai escrito durante a experiência de um mês com conjuntivite grave, quando o sol se tornou meu pior pesadelo, e o entardecer meu maior desejo

Imagem: trabalho sobre a foto de grafite da Rua Treze de Maio (São Paulo/SP), parte do trajeto para a clínica de olhos a cada 48 horas para retirada das membranas formadas junto à retina

terça-feira, 4 de abril de 2017

Telefone sem frio (ou Conversas de segunda e quinta)

Existe uma dor que não é palavra
É menos e mais que a palavra ao mesmo tempo
É uma dor sem tempo, o tempo todo
Uma dor preciosa pela falta das palavras
De alguém que viveu além de suas palavras
De alguém que vive nas minhas palavras
Nas palavras trocadas por tantos anos
Desde que aprendi a dizer "papai"!

Débora Aligieri



eu, meu pai e minha irmã


eu, meu pai e minha mãe


minha irmã, meu pai e eu





Poema escrito por ocasião do falecimento de meu pai Artur Aligieri, em 1º de abril de 2017

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Rotação e translação

Esse é meu território
solo compartilhado
semeado com os sonhos de muitos
me cubro com o verde
das folhas que cobrem o chão
entre atos, entre vidas
entre flores e espinhos
caminho por essa terra

Ou é o solo, e as folhas, e as flores e espinhos 
e as vidas que me percorrem? 

Débora Aligieri

 

terça-feira, 26 de julho de 2016

sexta-feira, 10 de junho de 2016

sábado, 30 de abril de 2016

Corte, costura e o caralho!

 
O fim do mundo começa hoje, daqui a 50 metros, daqui a 50 votações das famílias mais lembradas por seus membros que ocupam (ou invadem, considerando que a ideia de ocupação está ligada a uma função social) cargos no Congresso Nacional. Nepotismo é proibido por lei no Brasil, mas benefícios indiretos a parentes, mesmo não correspondendo ao exercício de função pública (contrariando na verdade) não é pecado do lado de baixo do Equador (nem do lado de cima). Pecado mesmo é uma mulher lutar em defesa do aborto legal e em defesa da igualdade de oportunidades no mercado de trabalho. Estudo do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos publicado em março revelou que o número de mulheres que fazem doutorado no exterior ultrapassa o de homens, mas elas ocupam menos posições de direção, o que resulta em menores salários. Nenhuma delas deve ser bela, recatada e do lar, porque se assim fossem não precisariam se preocupar com a posição que ocupam, já que ocupariam o cargo de mulher de alguma figura masculina (ou seriam, como diria Rubén Blades, uma pareja plastica). Alguém sabe dizer sem fazer esforço o nome da mulher do Temer? Até os progressistas a chamam dessa forma para criticar a atroz - e atrás, no quesito evolução dos direitos das mulheres - reportagem da revista Veja (e seu complemento subliminar "apenas a verdade que fabricamos"). Assim como Simone de Beauvoir que, mesmo não sendo bela, recatada e do lar (era só inteligente, coitada!) nunca escapou de ser a mulher de Sartre. O ponto de referência é quase sempre um homem, da mesma forma que o ponto de referência de boa parte dos problemas no Brasil é a urgente necessidade de reforma do sistema político previsto na Constituição Federal, que permite o financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas e que promove a eleição de um candidato com apenas 3 votos entre 10 que o beneficiam indiretamente. Conquistamos com muito esforço a democracia e agora a entregamos à curadoria do google e do facebook - desde que você pague um plano de internet fixa que permite muito pouco acesso a conteúdos, conforme novo modelo da Vivo e outras (in)operadoras de telefonia - com suas realidades virtuais, não por estarem no ciberespaço, mas por destacarem apenas a parte que mantém o poder dos grandes grupos empresariais. A grande família global (a palavra fica livre à interpretação do leitor). E para respeitar a separação dos Poderes, se o Poder Legislativo protege a tradição e a família (que no projeto do Estatuto da Família aprovado na Câmara dos Deputados considera apenas o grupo formado por homem, mulher e filhos - nem mais, nem menos, nem diferentes integrantes), o Poder Judiciário protege a propriedade (mas não sua função social). O progresso (para trás) é tanto que logo mais teremos um novo acordo MEC-USAID, com o retorno das aulas de educação, moral e cívica nas escolas. Porque nesse modelo de sociedade o civismo não se relaciona com a cidadania, mas a bíblia (junto com a bala e o boi) direciona as decisões num Estado laico por definição constitucional, e mulheres só impedem a criação de uma comissão deliberativa sobre os direitos da mulher sem integrantes mulheres ocupando a cadeira do Presidente da Câmara dos Deputados, daqui a 50 metros, daqui a 50 dias, daqui a 50 anos, daqui a 50 golpes diuturnos na democracia...

Débora Aligieri