domingo, 7 de julho de 2013

Sobre a "importação" de médicos para os rincões do Brasil, na opinião de um profissional da área

Conversa com a Dra. Tarsila Silva, médica dermatologista especializada pela Fundação Souza Marques, graduada pela Universidade de Medicina de Vassouras/RJ, que trabalha no Centro Médico Cidade Jardim, na cidade de São José dos Campos, interior do Estado de São Paulo.

Débora Aligieri: O que você acha da "importação" de médicos para o Brasil, sob a perspectiva de um profissional da área de medicina?

Tarsila Silva: Em relação ao meu trabalho, não haverá mudança alguma. Particularmente, o paradoxo está no fato de que eles serão designados a trabalhar em locais sem infraestrutura. E serão subordinados ao Ministério da Saúde, não ao CFM (Conselho Federal de Medicina). Ou seja, não terão a mesma responsabilidade ética e jurídica de um médico brasileiro.

Os médicos não ficam nestes locais por absoluta falta de estrutura, tenho muitos amigos que tentaram retornar às cidades de origem, mas não encontraram condições de trabalho.
Não há equipamento e medicamentos, nem mesmo para emergência. Nosso código de ética diz que ao aceitarmos trabalhar num local sem infraestrutura, somos responsáveis também. Ninguém quer perder o diploma.

Não preciso ir longe. Faço ambulatório de Oncologia cutânea em Dois Irmãos, uma cidade próxima a Porto Alegre, colônia alemã. No hospital, não há respirador. Para entubar e transferir um paciente, eles usam um bambu. Independente de ser brasileiro ou cubano. Isto é o mínimo com que eles irão lidar.

Outro aspecto são as promessas de salários "astronômicos" de prefeituras do interior. O médico vai com um contrato verbal, não recebe por uns dois/três meses. Renegociam e continuam não pagando. Até que o profissional prefira ir embora mesmo.

Débora Aligieri: Por isso queria conversar com alguem da área. Ouvimos muita gritaria na mídia e nas redes sociais, e nao se fala o que é realmente importante.

Tarsila Silva: Esta atitude vai "tapar o sol com a peneira". Nosso real problema é infraestrutura. Eu tenho uma colega que deu plantão na Santa Casa de Santa Branca, ao lado de Jacareí (ambas cidades da região do Vale do Paraíba, interior do Estado de São Paulo). Quando o paciente chegou parado, além dos medicamentos (adrenalina) estarem vencidos, o carrinho de parada não funcionava e teve que ambuzar o paciente por todo o trajeto. Fomos longe? Nada... Na esquina! Eu optei por outra forma de trabalho para oferecer algo melhor e ser melhor. Tive fobia e pânico trabalhando em emergência.

Débora Aligieri: Não deve ser fácil mesmo...

Tarsila Silva: E ainda fui coordenadora de serviço de emergência, em hospital particular. Com toda infraestrutura. Mas os planos de saúde acabaram com a medicina...

Débora Aligieri: Com a medicina e com os usuários...

Tarsila Silva: Eu brinco que as operadoras (de plano de saúde) fazem poupança sem juros para nós...

Débora Aligieri: Outro dia uma cliente, senhora de 62 anos, me ligou chorando porque o plano de saúde está custando metade da aposentadoria dela.

Tarsila Silva: Tenho um amigo médico, usando Mabthera, o famoso medicamento que a Dilma usou no Sírio. O plano não liberou, o SUS não paga. Cada aplicação, somente deste medicamento, custa 9 mil reais.

Débora Aligieri: Outro dia estava conversando com um médico que faz laudos para o Conitec, o Conselho de Novas Tecnologias do Ministério da Saúde que negou a inclusão do mabthera para fornecimento pelo SUS. Ele me disse que a idéia do Ministério da Saúde é criar um provimento dizendo que, se o Conitec negar, o plano de saúde nao precisa pagar. Aqui em São Paulo, o Tribunal de Justiça sempre acolhe os pedidos judiciais de cobertura do tratamento com o mabthera pelos planos de saúde. Agora, se esse provimento for criado, ai os planos não poderão ser obrigados a pagar o tratamento pela via judicial.

Essa é uma forma indireta de desestimular o pedido das empresas de inclusão do medicamento no SUS, porque fica o receio de negativa dupla (pelo SUS e pela via privada, através dos planos de saúde). Então, essas empresas nao entram com o pedido no Conitec. 
 
E tem uma estastistica muito bizarra de aceitação desses pedidos pelo Ministério da Saúde: até hoje, houve 17 pedidos de órgãos públicos no Conitec, 16 foram aceitos (apenas um negado); já da iniciativa privada, houve 40 pedidos, 1 aceito, os outros 39 negados.

Tarisla Silva: É... A situação da saúde é muito precária. Falando assim, de maneira lúcida, a gente vê que é evidente que não é trazendo médicos que a saúde vai mudar...

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