quinta-feira, 10 de junho de 2010

Cobrança pela emissão do boleto de aluguel: o que o Código de Defesa do Consumidor tem a ver com isso?

Absolutamente nada! 
Essa é uma dúvida comum entre leigos, e até mesmo entre pessoas que trabalham com Direito, quando se fala em ilegalidade de cobrança por emissão de boleto bancário. Falei sobre este assunto em 2007 na coluna Ilegalidade da cobrança pela emissão do boleto de financiamento de automóvel. Recebi muitas perguntas acerca da devolução do dinheiro em dobro e da fundamentação da ilegalidade da cobrança pelo CDC, mas em relação `a cobrança de aluguel, cuja natureza jurídica é estritamente civil. Traduzindo: aluguel não tem nada a ver com consumo, e o CDC não se aplica `as relações entre locador e locatário.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 1o, afirma que suas regras são aplicáveis `as relações de consumo estabelecidas entre consumidor e fornecedor de produtos e serviços, definidos, respectivamente, nos artigos 2o e 3o. 
Consumidor "é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final", ou seja, é aquela pessoa, ou mesmo uma empresa, que compra para si determinado produto (um objeto que você compra - xampu, por exemplo), ou usa determinado serviço (trabalho que você paga para alguém, que não é seu funcionário, fazer - lavanderia, por exemplo). Fornecedor é a pessoa ou empresa que "desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços", isto é, aquele que antigamente chamavam simplesmente de vendedor.
Apesar do locatário pagar ao locador pela posse do imóvel, o dono não presta serviço ao locatário, tampouco fornece o bem imóvel. O locatário desfruta apenas do direito de uso sobre o imóvel, cedido pelo proprietário através da locação. Portanto, o CDC não se aplica aos contratos de locação.
Além disso, os contratos de aluguel tem lei própria, a Lei de Locação,que descreve as regras para resolver possíveis conflitos entre locador e locatário.
Em algumas ocasiões, contudo, a cobrança pela emissão do boleto de aluguel pode também ser ilegal: se o contrato não prever expressamente que a taxa será paga pelo locatário, e se, prevendo o pagamento por boleto, não especificar que ficará a cargo do locatário o pagamento da taxa de sua emissão. Isto porque somente a lei e o contrato obrigam as partes. Como pagamento de taxa por emissão de boleto não está previsto especificamente na lei de locação, se não estiver no contrato não poderá obrigar o locatário, porque emissão de boleto não é um encargo de locação (artigo 23, da Lei de Locação), mas responsabilidade do locador para garantir o recebimento do aluguel. 
Se você verificar que, mesmo não havendo previsão em seu contrato de aluguel, você está pagando a taxa de emissão de boleto, peça devolução do que lhe foi cobrado a mais, com juros e correção monetária. Mas, enquanto locatário, você não tem direito `a devolução em dobro, porque este é um direito dos consumidores nas relações de consumo.
Se estiver previsto no contrato o pagamento desta taxa de emissão, a cobrança não foi ilegal, e você não poderá exigir devolução. O que poderá tentar fazer é pedir que essa taxa não seja mais cobrada na renovação do contrato de aluguel.
Enfim, defendam sempre seus direitos, sejam quais forem eles.

2 comentários:

  1. http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/imoveis/noticias/cobranca-de-aluguel-nao-pode-acrescer-valor-de-boleto

    Equívoco do autor. A relação de consumo se faz presente no serviço prestado pela administradora (imobiliária).

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    1. Caro Franz.

      Não me equivoquei. A reportagem em questão fala de todos os tipos de boletos, inclusive os referentes aos contratos de locação, ou seja, exclui das relações de consumo as locações. Veja que no post me refiro a locador e locatário, e não a imobiliárias. Mesmo em relação às imobiliárias, a jurisprudência não é unânime acerca da caracterização da relação de consumo, já que, conforme o Superior Tribunal de Justiça "É pacífica e remansosa a jurisprudência, nesta Corte, no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos contratos locatícios, que são reguladas por legislação própria" (REsp 605295/MG). Quando escrevi esta coluna, em junho de 2010, a lei comentada na reportagem não existia, e valia o combinado no contrato: se previsse a cobrança pela emissão do boleto,ela valeria; se não previsse não valeria. Com essa lei, a situação mudou, mas apenas no Estado de São Paulo, porque é uma lei estadual paulista. Assim, para outros Estados, continua valendo o que escrevi na coluna. Abraços.

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